Em sessão extraordinária realizada na tarde desta sexta-feira (17) na Câmara Municipal de Cícero Dantas (BA), o projeto de lei 396/2020 que estabelecia a doação integral de salários dos vereadores pelo período de dois meses para a compra de cestas básicas, não conseguiu o número necessário de votos para a aprovação da casa.
Foram sete votos favoráveis, três contrários à proposta e duas abstenções, que previa a destinação dos recursos ao Executivo, a partir de uma conta bancária específica, e ainda determinava a prestação de contas do uso do montante financeiro, pela administração, em uma tentativa de amenizar os impactos econômicos da pandemia da Covid-19 sobre a população mais pobre da cidade.
A apresentação dos votos contrários ao projeto se deu pelos cinco vereadores de oposição presentes no plenário, sob o argumento de que a proposição nada mais era do que um instrumento para jogo político por parte dos parlamentares de situação e do prefeito do município, Ricardo Almeida (PP).
OPOSIÇÃO FALA EM “ARMADILHAZINHAS”
O vereador Nenê de Nedito, líder da bancada oposicionista na casa, destacou em entrevista ao Sertão em Pauta, que a posição desfavorável ao projeto não significa que os parlamentares de seu grupo sejam contra à iniciativa de doação. “Na verdade, nós não fomos contra (à doação), fomos contra a esse papel que o presidente (vereador Abelardo Júnior) apresentou aqui, que não é um projeto, é um papel ilegal, imoral e inconstitucional. O presidente primeiro se reuniu com o prefeito e os vereadores ligados à sua bancada na segunda-feira, na casa dele, o que são palavras do próprio prefeito hoje, em rádio. Enquanto o presidente escondeu o projeto na convocação dos vereadores para a sessão, o prefeito já sabia de tudo o que iria ocorrer. Ora … se era uma matéria de interesse coletivo e da sociedade, e que a nós vereadores interessava, pois o salário é nosso, tinha que ser feita uma prévia de uma reunião com todos nós para debatermos o assunto, formatarmos uma ideia e ela vir para a sessão extraordinária. Mas, ocorreu ao contrário, os vereadores de situação se reuniram com o prefeito e combinaram as armadilhazinhas”.
Para o líder da oposição, no entanto, a estratégia dos situacionistas não foi exitosa. “Mostramos que eles fizeram uma armadilha que caiu contra eles próprios. Nós, da bancada de oposição, doamos sim, 50% de nosso salário a uma instituição de caridade (uma doação de parte dos salários deve ser feita pela bancada de oposição na próxima terça – 21, à Igreja Católica, de acordo com o vereador) ou à formação de um comitê, onde todos os recursos seriam depositados para ele, que os destinaria para compra de cestas ou EPIs (Equipamentos de Proteção de Individual) para pessoas da área de saúde. Agora, ser contra mandar para um comitê ou fundo de igreja e ser a favor de mandar para fundo da prefeitura, que recebeu R$ 20 milhões do dia 1º de janeiro até a presente data. Quero que o povo pergunte a eles agora: Por que doar à prefeitura e não para o fundo de uma igreja ou associação de caridade?”, indagou Nenê.
Nininho de Nedito compartilha dessa visão; para ele, a proposta visa colocar a população local contra os vereadores de oposição: “Nós sabemos que essa assinatura de sete vereadores … a gente sabe que se a gente concordar com isso, na esquina eles receberiam o deles. Já nós, íamos ficar sem dar comida à nossa família, sem pagar escola de nossos filhos, porque não tá tendo aula, mas eu estou pagando. Tenho que manter minha casa, pagar água, luz … o que vocês estão fazendo é politicagem”.
Recém-chegada ao bloco de oposição, a vereadora Aderian de Jesus que é segunda secretária da mesa diretora, questionou a ida da matéria à votação sem, segundo ela, a sua assinatura: “Essa mesa diretora não respeitou ninguém, se vocês têm vontade de doar, nós também temos. O povo de Cícero Dantas me conhece e sabe como eu trabalho de ajudar no dia a dia, incansavelmente”. O presidente Abelardo Júnior, por outro lado, disse que o documento estava assinado por ele e pelo vice-presidente (Zé Domingos), e que estaria amparado pela assessoria jurídica da casa legislativa: “Só precisa de dois, eu e o vice. Além disso, houve a assinatura mais quatro”.
FUNDO PÚBLICO-PRIVADO
Durante a sessão, uma ideia que ganhou força entre os parlamentares de oposição foi a criação de um fundo exclusivo para a arrecadação de valores destinados pelos próprios vereadores, empresas parceiras do legislativo, entidades, empresários da cidade e outras autoridades públicas a ações de combate aos impactos da Covid-19 no município. Apresentada pelo vereador Jackson Almeida, a proposta pode vir a ser colocada em pauta na Câmara, em futuras sessões.
“Que nós que podemos criar leis, criemos um fundo público-privado, de onde se abrirá uma conta especial, gerenciada por um comitê de cinco membros, representando a câmara, prefeitura, sociedade civil, sociedades filantrópicas e das igrejas, com um presidente e um tesoureiro. E eu e todos os vereadores depositarão in loco os seus salários, na medida em que for possível. Esse fundo será gerenciado por um grupo que prestará contas e nele poderão depositar os vereadores, a população, os comerciantes, a própria prefeitura e as empresas contratadas do município”, explicou o vereador Jackson, também se mostrando à ideia do depósito direto ao executivo.
PARA PRESIDENTE DA CASA, DECISÃO FOI UMA “VERGONHA”
Ao nosso site, o presidente da Câmara, Abelardo Júnior, falou que considera vergonhoso o posicionamento dos vereadores da oposição: “Quero dizer que não existe questão de interesse político, pois quem iria ganhar com isso era a população de Cícero Dantas. Não sabemos se vai haver eleições no nosso pais, neste ano, diante dessa crise de pandemia no nosso município, estado e país. O que estamos necessitando é de alimentos, vai faltar na mesa daquelas pessoas que precisam. E a Câmara aprovando e doando iria fiscalizar a aplicabilidade desses recursos, então ia ser tudo transparente, temos poder para isso. Infelizmente, foi uma vergonha, um projeto de suma importância como esse não passar”.
Abelardo, porém, diz estar disposto a ouvir sugestões em novas sessões, que possam contribuir para a formulação de um novo projeto de auxílio à população: “É uma perca, mas temos outras sessões aí pra frente, iremos ouvi-los. Alguns vereadores trouxeram a questão de doar para igrejas, acho até que há uma contradição nisso, pois sabemos que nosso estado é laico, temos várias igrejas e todos necessitam nesse momento; então, o mais correto seria por essa conta específica. Aqui, os vereadores estariam amparados por uma lei promulgada pelo presidente; agora, sem uma lei isso caracteriza promoção pessoal se for um ano eleitoral”.
Redação de Sertão em Pauta.